Capítulo 3
O comportamento de compra e o processo de tomada de decisão
Qualidade em serviços e experiência do cliente
Relacionamento e experiência
Marketing centrado no ser humano
Neste capítulo, buscaremos rastrear as raízes do que se conhece como customer experience, identificando as contribuições realizadas por diferentes pesquisadores ao longo da história do marketing. Isso porque, apesar de o campo de pesquisa responsável pela gestão da experiência do cliente ser relativamente recente, os fundamentos desse campo têm início há mais de cinquenta anos, quando as primeiras teorias sobre marketing e comportamento do consumidor foram desenvolvidas e comunicadas. Mais especificamente, quando Kotler (1967) e Howard e Sheth (1969) publicaram trabalhos que abordam diferentes aspectos da tomada de decisão e do comportamento de compra do consumidor, identificados como processos, ou seja, como experiências.
Muito do que já se sabe sobre a experiência e a jornada do cliente recebeu aportes importantes de teorias do marketing, que incluem a satisfação do cliente e a relação dele com a fidelidade a produtos e marcas, o conceito de qualidade em serviços e o detalhamento do processo (jornada do cliente), o marketing de relacionamento, a Customer Relationship Management (CRM), as abordagens que colocam o cliente como foco e aquelas que buscam engajá-lo a ponto de influenciar atitudes, emoções e comportamentos.
O objetivo deste capítulo é, portanto, identificar de que forma essas abordagens reforçam a teoria sobre customer experience, estando estruturado em quatro unidades, as quais apresentarão:
1. o comportamento de compra do cliente e a tomada de decisão do cliente como um processo, uma jornada de compra;
2. a avaliação das percepções e das atitudes do cliente sobre uma experiência (satisfação do cliente) e as métricas para desenhar experiências ótimas sob a ótica da qualidade em serviços;
3. o marketing de relacionamento e o conceito de gerenciamento do relacionamento com o cliente (CRM), com os modelos que relacionam elementos da experiência do cliente com os resultados do negócio;
4. a abordagem do cliente enquanto o centro do negócio da empresa como um todo e o papel dele como agente da própria experiência.
Compreender o que vem sendo estudado sobre as diferentes facetas da experiência do cliente ao longo da jornada dele é tarefa fundamental para que se construa uma visão renovada mais sólida e produtiva. A experiência, como já abordado no Capítulo 1, é um conceito dinâmico e multidisciplinar, o que significa que demandará múltiplos métodos de gestão. Consequentemente, identificar e reconhecer as contribuições dessas diferentes áreas de pesquisa pode representar um primeiro passo para a evolução da prática de gestão de marketing.
Unidade 1
O comportamento de compra do cliente como processo
No início dos anos 50, Abbott concentrou seus estudos em uma noção mais ampla de que “o que as pessoas realmente desejam não são produtos, mas experiências satisfatórias”. Nessa mesma década, Neil Borden introduzia o conceito de “mix de marketing”, que posteriormente foi simplificado sob o formato dos 4Ps (Preço, Produto, Praça e Promoção) por Jerome McCarthy.
No entanto, foi na década de 1960 que ganharam foco as discussões a respeito dos processos de tomada de decisão do cliente e da experiência na compra de produtos. Nesse momento, foram propostos modelos que subdividem o processo de compra em etapas que englobam o reconhecimento da necessidade, a compra e a avaliação do produto adquirido.
O modelo de Howard e Sheth (1969) busca representar o fluxo de decisão de compra por meio de quatro componentes principais, representados na figura a seguir.
Figura 1 - Modelo de Comportamento de Compra do Cliente de Howard e Sheth
Fonte: Adaptada de Howard e Sheth (1969).
O modelo de comportamento do consumidor de Howard e Sheth é um antecedente importante dos estudos da jornada de compra em customer experience e ainda exerce grande influência sobre seus conceitos.
Ainda na década de 60, surgiram modelos como o que ficou conhecido pelo acrônimo AIDA, que representa as etapas percorridas pelo cliente denominadas Atenção, Interesse, Desejo e Ação. O modelo AINDA é muito utilizado como norte para o desenho de estratégias de marketing digital. O funil de compra ou marketing também está altamente relacionado ao modelo AIDA.
Jornada de Compra
A experiência do cliente é frequentemente conceituada como fruto de três momentos de interação: a pré-compra, a compra e o pós-compra. Ainda que os estudos estejam buscando a compreensão da jornada de maneira holística, o foco nesses três estágios faz com que o processo se torne mais gerenciável pelos profissionais de marketing.
Primeiro estágio – a pré-compra: abrange fases que englobam o reconhecimento de necessidade, a pesquisa por informações e a consideração de alternativas.
Segundo estágio – a compra: é caracterizado por atitudes básicas, como a escolha, o pedido e o pagamento pela compra.
Terceiro estágio – o pós-compra: considera comportamentos como uso e consumo, engajamento pós-compra e solicitações de serviços complementares.
A perspectiva da jornada de compra do cliente, estudada sob diferentes óticas em pesquisas pregressas, contribui para a compreensão da perspectiva do cliente e para a identificação dos principais aspectos em cada estágio.
Unidade 2
Satisfação do Cliente e Fidelidade
É fundamental, para a compreensão e para o gerenciamento da experiência do cliente, ser capaz de medir e monitorar as reações do cliente às ofertas da empresa, particularmente, suas atitudes e percepções. A satisfação do cliente, cuja conceituação teve início na década de 1970, é uma importante métrica dessas reações e ainda serve de base para diversos estudos nos dias atuais. A satisfação aparece como resultante da comparação do desempenho real entregue com as expectativas do cliente.
Conscientes da importância do conceito, muitos pesquisadores discutiram formas de medir essa satisfação, passando por soluções simples e diretas, como perguntar ‘quão satisfeito você está com o produto X?’, ou pela adoção de modelos mais elaborados. O modelo de Gupta e Zeithaml, por exemplo, busca identificar os principais motivadores da satisfação e as consequências dela em termos de atitudes e comportamentos.
Reichheld defende a substituição das métricas tradicionais da satisfação do cliente pelo Net Promoter Score, também conhecido pela sigla NPS. Esse modelo tem como vantagem o fato de ser uma metodologia simples de explicar e de fácil aplicação, o que lhe rendeu grande popularidade.
Considerando o aumento do número de pontos de contato, em diferentes canais e mídias, por meio dos quais os clientes, atualmente, interagem com as empresas, podemos assumir que suas jornadas estão a cada dia mais complexas, e muitos são os fatores que podem influenciar a qualidade da experiência do cliente. A satisfação do cliente e as métricas desenvolvidas para medir sua magnitude e seu impacto ainda contribuem, de forma significativa, para o entendimento geral da experiência do cliente e para o desenvolvimento de modelos para a medição dessa experiência.
Qualidade em serviços
Os 4Ps (Preço, Produto, Praça e Promoção) do mix marketing deixaram de fora alguns elementos essenciais, principalmente no que se refere a serviços e à experiência do consumidor com as marcas. Isso motivou o desenvolvimento do marketing de serviços como disciplina independente na década de 1980. Características como a intangibilidade, a perecibilidade e as interações pessoais distanciaram a gestão de serviços da gestão de produtos e evidenciaram a necessidade de se controlar o processo (a experiência) como uma forma de aumentar a qualidade do serviço prestado.
No início dos anos 80, Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) desenvolveram estudos que culminaram na publicação da escala psicométrica denominada Service Quality, mais conhecida por modelo SERVQUAL (Figura 8). Esse modelo contribuiu, e ainda contribui, de forma significativa para a medição da qualidade percebida e, consequentemente, representa uma métrica consolidada para a gestão da experiência do cliente.
Foi também por meio de estudos da disciplina de marketing de serviço que a pesquisa sobre a experiência do cliente recebeu importantes colaborações, tais como:
Figura - Determinantes da Qualidade Percebida em Serviços
Fonte: Adaptada de Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985).
Unidade 3
Marketing de relacionamento
A década de 1990 testemunhou uma mudança de foco para o desenvolvimento de relacionamentos sólidos com os clientes. O marketing de relacionamento foi, então, sugerido como uma nova área de pesquisa, apresentando a colaboração como objetivo central entre empresas e clientes, para garantir que as partes assumam suas responsabilidades na construção de relacionamentos e redes de trabalho funcionais fundamentais para o atingimento de resultados mútuos.
Plank et al. (1999) consideram que a confiança é o principal antecedente da intenção de manter o relacionamento. Esses autores sugerem que a confiança é caracterizada por três dimensões, conforme ilustrado na Figura 9, que têm em comum a crença, por parte do cliente, de que as promessas serão cumpridas conforme esperado por ele.
Podemos dizer que os fundamentos do marketing de relacionamento enriqueceram a compreensão das diferentes facetas do relacionamento com o cliente, estendendo o foco da experiência do cliente para além dos construtos inicialmente mapeados, a fim de incluir emoções e percepções.
Figura - Dimensões da Confiança como Antecedente da Intenção de Continuidade
Fonte: Adaptada de Plank et al. (1999).
Gestão do Relacionamento com o Cliente (CRM)
Os anos 2000 trouxeram um foco mais forte na extração de valor do relacionamento com o cliente. Muitos estudos concentraram esforços na pesquisa sobre o valor do cliente ao longo do tempo, ou seja, a consideração do valor do ciclo de vida do cliente, ou Customer Lifetime Value (CLV).
A Gestão do Relacionamento com o Cliente (CRM) considera o investimento em relacionamentos de longo prazo com os clientes, dado que:
As vendas aumentam
Clientes fiéis tendem a gastar mais a cada ano;
Os lucros se expandem
Clientes fiéis aceitam pagar um preço prêmio;
Os custos são reduzidos
As empresas gastam menos com a atração de novos clientes e com a manutenção dos antigos;
Recomendações (boca a boca)
A empresa se beneficia de publicidade gratuita.
A figura a seguir ilustra o valor que o cliente gera para a empresa ao longo do tempo, começando pelo momento zero, quando o cliente, ainda, não realiza compras, porém a empresa demanda investimentos para atraí-lo, e percorrendo todas as etapas que agregam rentabilidade ao negócio à medida que o relacionamento com o cliente evolui.
Figura - Valor do Ciclo de Vida do Cliente
Fonte: Adaptada de McDonald e Woodburn (2007, p. 150).
Os clientes também preferem estabelecer relacionamentos de longo prazo com seus fornecedores, pois, assim, eliminam a necessidade de escolha, processo que consome um recurso bastante precioso para os clientes: o tempo. Além disso, a necessidade de tomar decisões com base em informações imprecisas ou subjetivas pode gerar ansiedade e medo de falhar, sensações que não contribuem para a satisfação do cliente.
Podemos concluir que a gestão do relacionamento do cliente, consolidada sob as bases do que ficaram conhecidas como CRM, contribui para o estudo da gestão da experiência do cliente por meio da abordagem dos elementos específicos da experiência do cliente e dos resultados de negócios.
Unidade 4
Customer Centricity e foco no cliente
No início dos anos 2000, as empresas empreenderam esforços para colocar os clientes no centro de sua estratégia e redefinir a visão de todos os departamentos da organização, para que, assim, o cliente fosse assumido como foco principal (customer focus, ou foco no cliente).
A noção de centralização no cliente se concentra na compreensão e entrega de valor para clientes específicos ao invés de massa ou mercados-alvo. Apesar de ter sido incentivado em outros momentos, esse foco tornou-se viável a partir do aumento da disponibilidade de dados no nível individual, propiciada pelo advento da internet e pela evolução de ferramentas tecnológicas.
Dentre as ferramentas gerenciais que foram desenvolvidas para facilitar o processo de centralização no cliente, podemos citar as personas do comprador (ou cliente) e a metodologia conhecida como jobs-to-be-done (tarefas a serem realizadas). A persona é um personagem fictício que representa o cliente ideal com base em pesquisas de mercado e dados reais sobre os clientes existentes. Já a metodologia jobs-to-be-done procura examinar e compreender as circunstâncias que surgem na vida dos clientes que podem influenciá-los a comprar um produto, avaliando, portanto, o processo sob a perspectiva do cliente. Ambas as ferramentas ilustram, de forma clara, as contribuições que a abordagem de customer centricity realizou para o avanço dos estudos sobre a experiência do cliente.
Customer Engagement
O principal movimento da presente década tem sido o envolvimento do cliente com a marca. Essa abordagem sugere que o engajamento é um estado motivacional que leva os clientes a sentirem-se participantes das empresas.
Kotler, Kartajaya e Setiawan, por exemplo, ressaltaram a importância de abordar os consumidores como seres humanos integrais, com mente, coração e espírito. Esse conceito, que os autores batizaram de marketing centrado no ser humano, envolve atender não apenas às necessidades funcionais e emocionais, mas também às ansiedades e aos desejos latentes de um público-alvo. Ao adotar estratégias de marketing centrado no ser humano, as organizações buscam humanizar as marcas com atributos semelhantes aos de homens e mulheres, para que o consumidor se identifique e interaja com elas, desenvolvendo conexões que os convertam em amigos.
Essa abordagem foi estendida, especialmente, porque a revolução da mídia digital e social fortaleceu a importância do comportamento de engajamento do cliente, à medida que os clientes se tornam coprodutores ativos de valor ou potenciais destruidores de valor para as empresas. Ou seja, o desenvolvimento de novos pontos de contato, em diferentes canais e mídias, aproximou os clientes das empresas, de forma positiva ou negativa.