Capítulo 1

Experiências ótimas

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

UNIDADE 1

Definição e conceito de experiência

UNIDADE 2

Necessidades psicológicas: satisfação e bem-estar

UNIDADE 3

Conexão, interpretação e resposta

UNIDADE 4

Proposta de framework para a compreensão da experiência, da tomada de consciência e da construção de sentido

INTRODUÇÃO

Neste módulo, buscaremos definir e compreender a amplitude e a pluralidade do que constitui a experiência. A partir desse entendimento, selecionaremos, na literatura, alguns modelos que podem auxiliar o processo de identificação dos fatores que influenciam a construção de sentido, além do papel do prazer e da diversão como determinantes para o estabelecimento de experiências ótimas.

Muitas vezes, é difícil encontrar consenso quando tratamos de conceitos mais abstratos, no que diz respeito ao seu significado e à sua natureza. Em função disso, essa discussão se faz relevante muito antes de começarmos a falar sobre user experience ou customer experience, uma vez que a tarefa de projetar experiências ótimas para o usuário ou para o consumidor dependerá do conhecimento do que é experiência e de como esse público a percebe e a classifica como satisfatória.

Faremos, portanto, uma revisão de alguns estudos publicados a esse respeito, com o objetivo de compreender os fatores motivacionais e outras variáveis envolvidas, que servirão como um norte para o desenho de experiências melhores para nossos usuários e consumidores. Afinal, se eles são o centro de nossa estratégia, precisamos agir com empatia, observando o mundo sob sua ótica e estando alertas à multiplicidade de significados que as interações com artefatos, produtos e marcas podem adquirir em seu dia a dia.

Unidade 1

Definição e conceito de experiência

Usabilidade versus experiência

Usuários, consumidores ou clientes são termos utilizados para generalizar seres humanos que manipulam artefatos ou interagem com produtos e marcas. Deve-se considerar um conjunto de elementos complexos, que vão desde a compreensão de fatores psicológicos que influenciam o comportamento desses agentes até questões que envolvem o momento de uso ou consumo.

Podemos começar ressaltando a diferença entre os conceitos “usabilidade” e “experiência”. A usabilidade coloca seu foco na funcionalidade e na facilidade de uso dos objetos com os quais o ser humano interage. Esse conceito pertence ao microcosmo do artefato, enquanto a experiência do usuário, por exemplo, engloba uma perspectiva mais ampla, que pode ser posicionada no campo da interação, envolvendo não somente o artefato ou serviço, mas também sua consciência e o contexto em que se insere.

É notório que a realização de tarefas de forma eficiente e eficaz demande usabilidade. No entanto, ainda que a usabilidade esteja garantida, isso não significa que o usuário ou o cliente viverá uma boa experiência. Consequentemente, será necessário compreender diferentes aspectos com profundidade e refletir constantemente sobre o tema, desenhando modelos que reflitam o caminho pelo qual as decisões e as escolhas precisam passar.

Definindo experiência

A experiência é um conceito abstrato que envolve um sentimento que está fora do controle do próprio indivíduo, ou seja, que passa por ele, e não que passa, simplesmente.

O usuário, o consumidor ou o cliente nem sempre percebe o que lhe passa e os efeitos que causam nele. Se queremos conquistar esse indivíduo pela alma, é extremamente importante observar comportamentos como postura corporal, velocidade e configuração dos movimentos, tom de voz e outros meios de comunicação não verbal que podem revelar emoções que não necessariamente estão relacionadas ao que é descrito pelo sujeito.

A partir dessa perspectiva, podemos compreender o quão complexa é a tarefa de desenhar experiências satisfatórias. Por isso, o profissional de marketing que se propuser a desenhar a experiência do usuário ou do cliente deverá incorporar métodos que ajudem a traduzir o que não necessariamente está explícito.

Unidade 2

Necessidades psicológicas: satisfação e bem-estar

Necessidades básicas e universais

Podemos destacar as seguintes necessidades do indivíduo, que precisam ser satisfeitas para produzir motivação e sensação de bem-estar:

  • autonomia/independência;
  • competência;
  • pertencimento/proximidade;
  • influência/popularidade;
  • prazer/estimulação;
  • controle e segurança;
  • saúde física;
  • autorrealização;
  • respeito próprio;
  • realização material.

Em seu estudo sobre as necessidades, o psicólogo humanista Abraham Maslow sugeriu um modelo composto por cinco necessidades básicas que se organizam hierarquicamente, o que significa que existe uma ordem em que as necessidades do ser humano precisam ser satisfeitas e que os indivíduos precisam realizar essa trajetória para atingir a plena realização.

Pirâmide das necessidades de Abraham Maslow

As necessidades humanas não necessariamente são classificadas apenas em um desses grupos. Um mesmo artefato ou serviço pode vir a satisfazer diferentes níveis de necessidade do usuário ou do consumidor.

Fonte: Adaptada de Kotler e Armstrong (2015, p. 160).

Complementaridade paradigmática

Alguns teóricos contemporâneos têm integrado o conceito de necessidades ao design de experiências, considerando que os acontecimentos vividos pelo usuário ou cliente permitem que ele satisfaça suas necessidades, contribuindo para uma melhor relação consigo mesmo e com os outros.

O modelo de complementaridade paradigmática acrescenta uma perspectiva que auxilia o entendimento sobre como as necessidades se complementam, ainda que muitas delas sejam conflitantes. O autor desse modelo defende que o bem-estar é atingido pelo processo contínuo de balanço e negociação entre as polaridades.

Os sete pares de necessidades dialéticas que necessitam ser equilibradas para proporcionar bem-estar são:

prazer / dor – obter prazer físico e psicológico / lidar com a dor, dar significado a ela;

proximidade / diferenciação – estabelecer e manter relações íntimas com outras pessoas / se diferenciar como indivíduo;

produtividade / lazer – produzir grandes feitos / distrair-se e se sentir confortável com isso;

controle / cooperação – exercer influência sobre os contextos / delegar o poder e assumir uma postura cooperativa;

tranquilidade / exploração – apreciar e desfrutar o que possui / explorar algo novo, se expor a novos desafios;

coerência do Self / incoerência do Self – pensar, sentir e agir em conformidade entre o eu-real e o eu-ideal / tolerar conflitos ocasionais;

autoestima / autocrítica – sentir-se satisfeito consigo mesmo / identificar oportunidades de melhoria, tolerar insatisfações e aprender com os erros.

Sendo assim, a percepção de bem-estar, ou seja, o grau de satisfação do indivíduo, dependerá de um processo contínuo de balanceamento e negociação entre necessidades que se opõem a outras, e o designer de experiências deve considerar esse comportamento para projetar interações memoráveis.

Unidade 3

Conexão, interpretação e resposta

Emoção e envolvimento

“A ciência hoje sabe que os animais mais avançados em termos evolucionários são mais emotivos que os primitivos, sendo que os seres humanos são os mais emocionais de todos” (NORMAN, 2008, p. 38).

Os termos “emoção” ou “afeto” são, comumente, utilizados para descrever traços de personalidade, como a sociabilidade, estados de humor, como a tristeza ou a felicidade, distúrbios, como a depressão, motivos de sensações, como fome ou dor, e sentimentos, como prazer ou rejeição

Donald Norman aborda o lugar da emoção no design de objetos, defendendo um modelo de processamento de informações em três níveis: o nível visceral, o nível comportamental e o nível reflexivo. O nível visceral está mais conectado ao que é aparente e que provoca sensações intensas e básicas, muitas vezes com reflexos fisiológicos. Já o nível comportamental se relaciona com o prazer e a eficiência do uso, se aproximando mais do âmbito cognitivo e racional. E, por último, o nível reflexivo é a camada que processa informações, observando, avaliando, ponderando e buscando influenciar as outras.

Guilherme Ranoya sugere destaque para oito atributos capazes de provocar fascinação no indivíduo, promovendo uma relação afetiva com os artefatos. São eles:

1) o aspecto criativo (comportamento inusitado, que estimula novas perspectivas);

2) o aspecto inovador (inventividade, capacidade de mudar significações);

3) o aspecto emocional (diversão, excitação, graça ou sensibilização);

4) o prazer de uso (associado à mecânica de funcionamento ou ao manuseio);

5) o aspecto lúdico (experiência como atividade de brincar ou jogar);

6) o aspecto imersivo (envolvimento profundo);

7) o aspecto hipnótico (captar e reter a atenção, perder a noção do tempo);

8) o aspecto sublime (sedução, toda a atenção direcionada ao artefato).

Tais aspectos não necessariamente se apresentam isoladamente. Um mesmo artefato ou serviço é capaz de produzir diferentes tipos de emoções ao expor o indivíduo ao efeito de mais de um atributo.

Interpretação e produção de sentido

Em latim, significar era dar a entender por meio de sinais. Mas nem sempre os sinais serão interpretados da mesma forma, pois o sentido pode variar. Muitas vezes, a produção de sentido dependerá do contexto simbólico-afetivo.

O estudo da consciência e das emoções realizado por Damásio (2000) revela que não há razão sem a presença de emoção. Portanto, ao projetar experiências, o designer deve considerar a produção de sentido como fruto das relações emocionais que o usuário ou o cliente estabelece.

As categorias fenomenológicas universais de Charles Sanders Peirce, adotadas em 1902, já previam essa relação. Segundo esse importante filósofo e linguista, a mente humana precisa ser estudada sob três perspectivas:

Essa classificação tem suporte nos três registros psicanalíticos lacanianos: o imaginário (primeiridade), o real (secundidade) e o simbólico (terceiridade). E, em função disso, contribui para o entendimento das interações complexas dessas diferentes perspectivas, que norteiam a construção de sentido de usuários, consumidores e clientes a partir de suas experiências.

Unidade 4

Proposta de framework para a compreensão da
experiência, da tomada de consciência e da
construção de sentido

Segmentando a experiência

Ainda que estruturas pragmáticas, como frameworks (enquadramentos), contradigam o caráter holístico atrelado à experiência que vimos até esse momento, sua contribuição é fundamental para que os estudos avancem para além do campo subjetivo.

Wright, McCarthy e Meekison (2004) sugerem que as experiências humanas são complexas e relacionais e que o indivíduo dá sentido a elas ao realizar uma trama equilibrada, constituída por quatro fios (threads) entrelaçados: composicional, sensual, emocional e espaço-temporal.

Acrescentam-se a essa estrutura seis processos de criação de sentido, que contemplam a forma como o indivíduo reflexivamente interage: antecipando, conectando, interpretando, refletindo, se apropriando e recontando. Esses processos não acontecem necessariamente em uma sequência predefinida ou com uma lógica linear de pensamento e ação, mas são entrelaçados.

Definindo as etapas da criação de sentido

A criação de sentido pode ser dividida em três momentos: antes, durante e depois da experiência. A etapa anterior (antecipando) reúne expectativas e questionamentos sobre as possibilidades, podendo instigar sensações como medo, ansiedade ou excitação, por exemplo. Já durante a experiência, o sujeito experimenta os processos de conectar-se com o objeto, interpretar sua narrativa ou sentir as emoções, refletir incorporando julgamentos e atribuindo valor à experiência, e apropriar-se dela, relacionando-a ao seu senso de identidade e à sua história pessoal. Por sua vez, o momento posterior à experiência é caracterizado pela recontagem, refletindo internamente sobre a experiência da qual se apropriou e dividindo com outras pessoas em busca de reforço e aprovação. Todas essas etapas influenciam umas às outras, inclusive na adequação das expectativas a respeito de experiências futuras equivalentes.

Os autores do modelo reconhecem que cada indivíduo se apropria de forma diferente daquilo com o que interage. Dessa forma, frameworks para a compreensão da experiência, da tomada de consciência e da construção de sentido são úteis para planejar e promover a interação, mas não é possível garantir ou determinar o resultado da experiência.