Capítulo 1
Desafios organizacionais
Engajamento e proposta de valor
Valores pessoais e gerenciais
Neste capítulo, serão discutidos os desafios organizacionais, a visão do mercado de trabalho e a tendência global de transformação de um modelo de escassez para prosperidade.
Em seguida, abordaremos a vulnerabilidade e a incerteza para os trabalhadores diante dos riscos e da velocidade de mudança de ambientes presenciais para ambientes de trabalho remoto (home office) ou híbrido.
No campo mais recente das pesquisas, iremos compreender e traçar ações voltadas para o engajamento dos indivíduos e das equipes, desenvolvendo suas competências. Além disso, abordaremos a experiência do empregado (EX), fator considerado de elevada relevância para o desempenho organizacional.
Para concluir este capítulo, veremos o fator humano a partir da ótica dos valores pessoais e das diferenças intergeracionais, bem como a preocupação com o etarismo.
Ao final deste capítulo, será possível:
Para melhor compreensão das questões que envolvem os objetivos acima, este capítulo está dividido em:
Unidade 1 – Desafios organizacionais
Unidade 2 - Engajamento e proposta de valor
Unidade 3 - Valores pessoais e geracionais
Unidade 1
Velocidade e adaptabilidade são duas palavras que representaram, nos últimos anos, ações necessárias às organizações. As duas primeiras décadas do século XXI foram descritas como uma era de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, palavras do acróstico VUCA em inglês (Volatility; Uncertainty; Complexity; Ambiguity). A Revolução 4.0, ancorada pela transformação digital, indicava a necessidade de mudanças estruturais e realinhamento dos principais atores organizacionais.
A pandemia da COVID-19, a partir de 2020, impactou fortemente a maneira como organizações passaram a enxergar os desafios relacionados ao mundo do trabalho. A partir daí, surge um novo acróstico, cunhado por Jamais Cascio em 2020, para designar a angústia do momento. O mundo passa a ser identificado como frágil, ansioso, não linear e incompreensível, chamado de BANI (Brittle; Anxious; Nonlinear; Imcomprehensible), reforçando a necessidade de uma atuação mais ágil e adaptativa por parte das empresas e que possa promover ações voltadas para a satisfação e para a lealdade dos clientes e colaboradores.
A vulnerabilidade e a incerteza diante dos riscos enfrentados na pandemia foram propulsoras de estresse e afetaram a saúde mental dos trabalhadores, exigindo um cuidado maior das organizações em desenvolver líderes aptos a garantirem segurança psicológica aos membros de suas equipes, e este é um fator que deverá mudar fortemente a percepção e os processos de gestão de pessoas.
No entanto, mesmo com todas as mudanças provocadas por um formato de trabalho imposto por uma pandemia mundial, e com toda a economia gerada para os negócios pela redução de custos operacionais com a manutenção de escritórios quando as pessoas passam a trabalhar de suas próprias casas, algumas empresas, principalmente as mais destacadas da área de tecnologia da informação, afirmam que não manterão o formato de trabalho remoto em tempo integral.
Você sabia?
A chefe de Recursos Humanos do Google anunciou, em abril de 2021, que a maior parte da equipe teria que retornar ao escritório, posição diferente da defendida um ano antes no Vale do Silício sobre as vantagens do modelo home office. Algumas empresas chegaram a anunciar que assumiriam praticamente a exclusividade do trabalho remoto a partir da experiência realizada, mas parecem ter voltado atrás.
Uma comunicação da Amazon aos funcionários, por exemplo, destaca os principais pontos abordados pelas empresas para o retorno: “nosso plano é retornar a uma cultura centrada no escritório como padrão. Acreditamos que isso nos permite inventar, colaborar e aprender juntos de forma mais eficaz” (CLAYTON, 2021).
Tendências globais
A Delloite, em seu relatório anual sobre tendências globais do capital humano, preparado em 2020, considera a empresa uma entidade social em um mundo transformado, destacando a necessidade da mudança de um modelo de sobrevivência para um de prosperidade.
A pesquisa aponta a necessidade e a preocupação das empresas, especialmente no período durante e após a pandemia, em perceber e considerar que a transformação é contínua e que não se pode adotar uma premissa momentânea em relação à gestão de crises apenas para o retorno à posição anterior.
A mudança de percepção exige colocar o ser humano no núcleo da organização, o que transforma definitivamente o processo de tomada de decisões, que passa a priorizar o ponto de vista de pessoas. Fatores como resiliência, coragem, julgamento e flexibilidade são destacados para enaltecer a relevância do que apenas o ser humano em posição de colaboração ou liderança poderá desenvolver (DELOITTE, 2020).
A informação de que as empresas mais preparadas para lidar com a crise já possuíam a mentalidade voltada para a prosperidade corrobora a necessidade de mudança com o objetivo de impulsionar os negócios. A criatividade, destacada durante períodos de crise, e a ação de utilizá-la para reinventar modelos de gestão, é outro ponto a ser desenvolvido. Tomada de decisão e flexibilidade devem ser destacadas, mas não apenas em situações de crise.
Os desafios organizacionais remetem à necessidade de engajar todos os trabalhadores em prol dos objetivos organizacionais, assunto que será explorado na próxima unidade.
Unidade 2
Pesquisas apontam que o engajamento dos trabalhadores é um diferencial para a produtividade e se tornou uma área de estudo importante para as organizações. Aspectos como características da cultura orientada às pessoas e aos resultados (ROBBINS; JUDGE; SOBRAL, 2010) passaram a ser essenciais na busca por melhor desempenho. Considerando que o vínculo com a organização é um fator fundamental para resultados diferenciados, a busca pelo engajamento deve se iniciar no processo de atração, quando a proposta de valor da empresa for claramente apresentada, por meio de uma comunicação transparente para o mercado e também para o público interno.
O acesso à ideia de negócio e à identidade da empresa constituem valores essenciais para a atração, pois representam a possibilidade de o profissional conhecer a empresa na qual deseja investir determinado momento de sua carreira.
Para Boonstra (2013), quatro pontos indicam o significado da ideia e da identidade:
Significado e proposta
Relacionados ao valor social e à sua contribuição. Também tratam da história, que envolve experiências de sucesso e a razão de sua existência, além do orgulho pelos sucessos alcançados.
Valor para o cliente
Vinculado à necessidade de colocar o cliente como figura central e razão para a atuação da organização, alinhando requerimentos e especificações, cumprindo as promessas realizadas e sempre voltado para a capacidade de atrair novos clientes.
Vantagem competitiva
Estabelece que a inovação e a preocupação contínua com custo e qualidade e com a colaboração estão no núcleo do negócio.
Competências distintas
Destaque para as competências essenciais que diferenciam a organização em seu segmento ou indústria e que aparecem como ativos únicos, envolvendo aspectos como conhecimentos, expertises e confiança, aumentando a reputação.
Deve-se, portanto, pensar em um processo construído com base na liderança e no engajamento em novas formas de trabalho. Segundo O futuro do trabalho: mitos e realidade, relatório global da pesquisa Future of Work, 2017/2018, publicado pela Willis Towers Watson, três fatores são essenciais para o engajamento:
EVP (Employee Value Proposition)
A proposta de valor para o empregado deverá ser construída e implementada pela organização, atingindo todas as relações de trabalho estabelecidas, independentemente do vínculo.
Recursos Humanos
Aponta a necessidade do desenvolvimento da área que deverá se voltar para a gestão da mudança e para o desenho ou redesenho do trabalho.
Liderança
Gestores e líderes precisam ser preparados para que possam gerir a mudança, possuindo acesso aos recursos necessários.
Ao mesmo tempo que podemos observar que o engajamento afeta a produtividade, existem fatores detratores que impactam fortemente seus resultados. Luiz Edmundo Rosa, então diretor executivo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil), em 2019, afirmou que, além das inovações, processos e tecnologias, são os fatores humanos que estão diretamente ligados aos impactos em produtividade. Sua afirmação veio para resumir os resultados de uma pesquisa realizada pela ABRH-Brasil, em parceria com a Mapa de Talentos e Waggl Brasil, apresentada na edição do CONARH de 2019.
Dessa forma, a organização precisa, em seu processo de gestão e liderança, observar os fatores humanos que afetam negativamente o engajamento e a produtividade. Segundo a ABRH (MUNDO RH, 2020a), falta de clareza, baixa resolutividade e pouca satisfação são alguns desses fatores, conforme veremos a seguir.
Somente 28% dos entrevistados apontaram possuir um senso de direção claro em relação ao trabalho que executam. O processo gerencial deve indicar a necessidade de estabelecer claramente a expectativa em relação aos trabalhadores.
Apenas 23% dos respondentes da pesquisa informaram que atingem plenamente suas metas.
70% dos pesquisados não sentem plena satisfaçam com o que realizam e somente 15% declararam satisfação plena em relação à própria saúde. Quando questionados sobre o reconhecimento do seu trabalho pelos colegas de equipe, apenas 18% alegaram se sentir reconhecidos. As relações no trabalho são consideradas satisfatórias para 23% da população pesquisada.
Na Prática
O Grupo Sabin, em 2020, foi eleito pelo 14º ano uma das melhores empresas para se trabalhar pelo Great Place to Work Brasil (MUNDO RH, 2020b). O site da empresa destaca que:
[...] o Sabin valoriza e trabalha todos os aspectos importantes que envolvem a vida do colaborador - a família, a saúde, a vida financeira, as relações de amizade, os sonhos - para que tenham condições de contribuir na realização da missão da empresa enquanto caminham em busca da autorrealização (SABIN, 2021, on-line).
É importante destacar que os valores apontados pelo Sabin indicam a qualidade da experiência de conexão e a lealdade ao empregador, como consta nos fundamentos da EX (experiência do empregado).
Experiência do empregado
Para algumas organizações, além das práticas de gestão de pessoas, os aspectos relacionados à experiência do empregado são adotados como prioridades.
A Willis Towers Watson (2019) destaca a relevância do bem-estar para empregados e organizações.
Uma cultura do cuidado pode favorecer a experiência holística do empregado, inspirando o propósito, sendo competitiva junto ao mercado e gerando maior poder de atração.
O estudo ainda aponta que o bem-estar deve fazer parte do conjunto de políticas e dos programas e benefícios da empresa. Com relação à formação de uma cultura inclusiva, o bem-estar é apontado como um norteador. São poucas as empresas voltadas para uma estratégia integrada e de longo prazo, o que parece determinar mais um desafio para o processo de gestão de talentos (WILLIS TOWERS WATSON, 2019).
Quando analisamos o processo de engajamento, tornamos claro o vínculo entre propósito individual e a proposta de valor vivenciada e comunicada pela organização.
Na próxima unidade, trataremos dos valores corporativos e individuais, considerando aspectos geracionais e intergeracionais.
Unidade 3
Neff (2017) propõe um interessante exercício sobre valores, afirmando que todas as pessoas possuem traços valorizados socialmente, sendo alguns acima da média, outros na média e alguns abaixo dela. Após solicitar que façamos uma lista, a autora faz uma provocação, ao questionar se conseguimos aceitar as diferentes facetas em nós, e aponta que ser humano significa acolher nossa experiência completa e aceitar que, muitas vezes, estamos na média dos valores. A grandiosidade, mesmo não estando acima da média, é o fato de estarmos vivos na Terra com toda a “magia” e a complexidade decorrentes disso.
Valores pessoais
Os valores representam convicções básicas de que “um modo específico de conduta ou condição de existência é individual ou socialmente preferido ao modo contrário ou oposto de conduta ou existência” (ROBBINS; JUDGE, 2017).
Nosso sistema de valores é formado pela intensidade que atribuímos a ele, formando uma hierarquia. Nossas motivações e atitudes estão diretamente vinculadas aos valores, que também interferem na percepção que temos do mundo.
Richard Barrett desenvolveu um modelo que nos ajuda a entender a relação dos valores, motivações e crenças, intitulado “O modelo dos sete níveis da consciência pessoal”, que identifica áreas que constituem as motivações autênticas, compostas por valores que realmente são importantes para os indivíduos. As decisões que tomamos são determinadas por nossos valores e crenças.
Segundo o modelo, apresentamos os valores de forma positiva ou orientados pelo medo, o que os torna limitantes. A capacidade de eliminarmos ou superarmos o medo é determinada por nosso domínio pessoal. Estamos propensos a perder a autenticidade quando existe dissonância de nossas crenças e comportamentos em relação a nossos valores.
Figura 1 - O modelo dos sete níveis da consciência pessoal
Fonte: BVC (2021).
A estrutura está distribuída em três grandes áreas: Interesse Próprio (1, 2 e 3), Transformação (4) e Bem Comum (5, 6 e 7).
As áreas de sobrevivência, relacionamento e autoestima estão diretamente relacionadas à necessidade de saciar nossas necessidades primárias, como sobreviver, ter bem-estar nos relacionamentos e ser reconhecido. A saciedade não gera satisfação por longo período, mas sentimos ansiedade quando não conseguimos satisfazê-la.
A quarta área, Transformação, expressa nossa capacidade de enxergar e ultrapassar nossos medos. A ação de nos dedicarmos à autenticidade de nossos valores, buscando agir conforme eles. O modelo destaca nossa autoridade pessoal e voz.
A estrutura Bem Comum trata dos valores de coesão interna, fazer a diferença e serviço, os quais estão diretamente ligados ao senso de propósito e significado em relação à vida. O atendimento às necessidades apontadas reflete na profundidade do compromisso e na motivação alcançadas.
O processo de tomada de decisões é guiado pela orientação dos valores, como uma bússola interna.
Indivíduos atuam a partir de um conjunto de áreas, e são considerados bem-sucedidos aqueles que conseguem ter equilíbrio entre todas elas.
Valores geracionais
Robbins e Judge (2017) ressaltam pesquisas desenvolvidas nas últimas décadas que correlacionam positivamente valores com o momento do ingresso no mercado de trabalho e com o ano de nascimento. Apesar de diferentes dimensões apontadas, especialmente em relação à idade, os estudos buscaram apresentar os valores dominantes das gerações Baby Boomers, X e Y ou Millennials.
As pesquisas, desenvolvidas inicialmente nos Estados Unidos, apontaram para limitações em relação a culturas distintas. O rigor dos estudos no que diz respeito aos valores também aparece como ponto de limitação.
Grupo | Ingresso no merdado de trabalho | Valores dominantes |
---|---|---|
Baby Boomers | 1965 a 1985 | Sucesso, realização, ambição, rejeição ao autoritarismo, lealdade à carreira |
X | 1985 a 2000 | Estilo de vida equilibrado, trabalho em equipe, rejeição a normas, lealdade aos relacionamentos |
Millenials | De 2000 em diante | Autoconfiança, sucesso financeiro, independência pessoal, mas com a orientação para a equipe, lealdade a si mesmo e a suas relações |
Tabela 1 - Valores dominantes da força de trabalho contemporânea
Fonte: Robbins e Judge (2017).
Grupo | Ingresso no merdado de trabalho | Valores dominantes |
---|---|---|
Baby Boomers | 1965 a 1985 | Sucesso, realização, ambição, rejeição ao autoritarismo, lealdade à carreira |
X | 1985 a 2000 | Estilo de vida equilibrado, trabalho em equipe, rejeição a normas, lealdade aos relacionamentos |
Millenials | De 2000 em diante | Autoconfiança, sucesso financeiro, independência pessoal, mas com a orientação para a equipe, lealdade a si mesmo e a suas relações |
Tabela 1 - Valores dominantes da força de trabalho contemporânea
Fonte: Robbins e Judge (2017).
Nos últimos anos, a Geração Z também passou a integrar a análise dos valores dominantes, considerando os jovens da geração que nasceu e cresceu envolvida com a tecnologia.
Um estudo da EY (2020), que contou com 1.300 respondentes, mostra que a Geração Z, considerada nova entrante no mercado de trabalho, apresenta como necessidades em relação à carreira a clareza sobre perspectivas de evolução, oportunidade de crescimento e remuneração adequada. Os jovens apontaram não priorizar a autonomia, mas sentem necessidade de buscar novos projetos continuamente. O estudo também indica a percepção de esses indivíduos não se sentirem profissionalmente desafiados.
Geração Prateada
Existe uma geração bem representada em Um Senhor Estagiário, filme de 2015, de Nancy Meyers, com Robert De Niro, Anne Hathaway, Rene Russo e Adam DeVine. O enredo aborda as diferenças geracionais, desenvolvimento de habilidades múltiplas e o resultado efetivo de equipes diversas. Podemos afirmar que um novo cenário surgiu nos últimos anos e que aponta para a necessidade de revisão de valores e um olhar atento para a descoberta de vieses inconscientes de preconceitos.
Em virtude das mudanças na pirâmide etária, do elevado índice de desemprego e da necessidade de as organizações possuírem, no quadro de colaboradores, profissionais que apresentem múltiplas competências, o Brasil, recentemente, passou a investir na contratação de trabalhadores com mais de 50 anos. As empresas que, hoje, contratam esse tipo de mão de obra, participam de programas de incentivo a pessoas dessa faixa etária, preocupando-se em garantir vínculo empregatício a elas. (BRÊTAS, 2021).
RESUMO
Neste capítulo, você pôde compreender que as mudanças ocorridas e os desafios gerados para as organizações criaram a necessidade de uma mudança de postura, que afeta diretamente as estruturas e modelo de gestão das empresas. Adaptabilidade e agilidade passam a determinar a forma de agir das organizações, o que envolve, além da mudança de processos, uma transformação no modelo mental.
Gestores e líderes possuem a necessidade de desenvolvimento prioritário em competências que possam suportar os colaboradores expostos a situações como crises econômicas e a pandemia. A segurança psicológica da equipe e a preocupação com a saúde mental se tornam parte da agenda de desenvolvimento dos líderes.
Além disso, a busca contínua por produtividade fez as empresas pararem para observar o processo de engajamento e desenvolver ações que possibilitem a atuação comprometida por parte dos trabalhadores. Temas como proposta de valor foram incluídos na orientação da empresa para atrair e engajar profissionais. Nunca se falou tanto de cultura e propósito corporativo.
Por conta disso,, o impacto na sociedade, em virtude da crise, indica uma observação maior dos valores pessoais, especialmente daqueles relacionados ao desejo de transformação e realização do propósito pessoal. Com diversas gerações presentes, organizações buscam a integração de times intergeracionais, além da inclusão da Geração Z e o despertar para a Geração Prateada.