Capítulo 4
Estratégia de relevância e oceano azul
Co-branding
E-branding e ecossistemas digitais
Neste capítulo, olharemos para questões emergentes no universo da gestão de marcas, bem como para tendências e possibilidades que se abrem neste campo. Começamos pelas novas abordagens ligadas tanto ao posicionamento quanto à gestão da inovação, que se propõem a alinhar a marca com o desenvolvimento estratégico de uma oferta, seja um produto ou serviço. Para isso, apresentaremos a estratégia de relevância da marca (AAKER, 2011) e a estratégia do oceano azul (KIM; MAUBORGNE, 2005).
Analisaremos também as possibilidades de parcerias estratégicas entre marcas, o co-branding, que pode ser utilizado tanto de forma mais superficial e para fins meramente publicitários e institucionais (quando duas marcas atuam juntas em determinada campanha) quanto para abordagens mais complexas, que vão envolver a geração de novas linhas de produtos, com características fortes das marcas associadas, além da possibilidade de criação de narrativas e associações específicas, também derivadas da complementação simbólica entre as marcas parceiras.
Na última unidade, falaremos sobre o e-branding, ou seja, a aplicação das estratégias de branding em plataformas digitais. Como podemos construir a presença e a relevância de uma marca em ecossistemas tão inconstantes e dinâmicos? Também apresentaremos as abordagens e ferramentas mais utilizadas para esta construção.
Boa leitura!
Ao final deste capítulo, será possível entender:
Para melhor compreensão das questões que envolvem os objetivos apresentados, este capítulo está dividido em:
Unidade 1 – Estratégia de relevância e oceano azul
Unidade 2 - Co-branding
Unidade 3 - E-branding e ecossistemas digitais
Unidade 1
Um aspecto fundamental nas dinâmicas de competição diz respeito ao processo de desgaste que qualquer tipo de oferta ou abordagem específica tende a sofrer ao longo do tempo.
Isso significa que todos os caminhos adotados para construir diferenciação e a chamada Proposta Única de Valor (USP, Unique Selling Proposition), quando têm a eficiência comprovada, tendem a ser mais replicados pela concorrência, o que acaba tornando o recurso ineficiente em algum momento.
Portanto, seguindo o conceito de marca viva, percebemos que a estratégia de branding exige a permanente busca e construção de elementos de diferenciação, pois tal diferenciação é um dos pilares da competitividade.
Nesta unidade, apresentaremos duas abordagens que buscam justamente traçar diretrizes para que as ofertas se mantenham destacadas de uma concorrência mais agressiva, da mesma forma que lhes permitam ser potencialmente inovadoras.
São elas:
A ideia de relevância da marca prega que uma empresa deve construir ofertas que tenham a capacidade de representar bem uma categoria inteira de entrega. Isso seria uma alternativa a mercados massificados e hipercompetitivos, nos quais as empresas encontram grandes dificuldades para gerar diferenciação e acabam optando pelas abordagens classificadas como “estratégias de preferência”.
A conquista da preferência dos consumidores, em vez da construção de relevância junto a eles, gera um efeito perverso e inevitável que faz com que a organização seja sempre obrigada a entregar mais benefícios e facilidades não porque eles são importantes para o desempenho, mas porque a concorrência também está fazendo isso.
Nas palavras de Aaker (2011), existem apenas duas opções para competir em mercados existentes: conquistar a preferência dos clientes ou tornar os concorrentes irrelevantes.
A primeira abordagem, ligada à preferência, inevitavelmente leva a empresa a um cenário mais duro quando a competição aumenta, pois o caminho para gerar alguma diferenciação estará sempre pautado por maior conveniência e benefícios diretos oferecidos ao consumidor. A guerra de preços ou a criação de programas de relacionamento com pacotes de vantagens cada vez mais agressivos é o melhor exemplo deste tipo de abordagem.
Já o modelo de relevância busca construir uma diferenciação tão poderosa a ponto de afastar as linhas de comparação.
Quando uma marca se torna referência em determinado aspecto, ela automaticamente restringe a capacidade dos demais players de buscarem uma comparação direta.
O próprio Aaker (2011) alerta que a relevância não se mantém para sempre, mas ela pode gerar alguma vantagem para a organização durante um determinado período.
A estratégia do oceano azul
A estratégia do oceano azul, desenvolvida por W. Chan Kim e Renée Mauborgne em 2005, trilha um caminho semelhante ao do modelo de relevância de marca, porém com maior ênfase na inovação dentro de um setor. As inovações não precisam ser disruptivas, mas precisam ser suficientes para reenquadrar uma oferta de maneira que ela consiga se afastar da comparação direta com os concorrentes.
A alusão ao oceano azul é uma metáfora: para os autores, um mercado muito competitivo é um mar vermelho, e a cor da água é resultado da ação de muitos tubarões (players) se alimentando.
O oceano azul seria um território livre de concorrência direta, no qual uma organização teria muito mais liberdade e autonomia para propor as próprias linhas de atuação sem ser pressionada pelos concorrentes o tempo todo.
O modelo de oceano azul é aplicável à organização como um todo e não apenas à estratégia de branding. Mas como já vimos que planejamento estratégico e branding caminham juntos, faz todo o sentido que pensemos em um método de inovação e posicionamento para os nossos estudos para criar marcas mais fortes.
Unidade 2
Um dos caminhos para construir marcas cada vez mais ricas e únicas em termos de valores e narrativas percebidas está no chamado co-branding. Como o próprio nome já identifica, a abordagem se baseia na união de marcas em prol de uma mesma estratégia de valor para o cliente.
Tais parcerias podem acontecer em camadas diferentes da oferta, o que vai exigir dos gestores um maior ou menor nível de aprofundamento na análise, bem como maiores cuidados para garantir que o patrimônio da marca não seja maculado ou confundido em meio à ação.
De acordo com estudo publicado pelo portal Mundo do Marketing em 2013, as abordagens de co-branding se tornaram mais corriqueiras devido ao aumento da competição e à busca cada vez maior por criar diferenciação e valor a partir de fatores já conhecidos pelo consumidor. Nesse sentido, o co-branding “busca associar atributos e valores de empresas que podem inclusive atuar em categorias diferentes dentro de um mesmo produto ou serviço, visando oferecer um pacote de benefícios mais atrativo para o público-alvo”.
Um caso clássico é a parceria entre Apple e Nike em 2006, com o lançamento de um sistema sem fio que permitia aos calçados da Nike “conversarem” com um iPod. O dispositivo localizado no tênis enviava informações como distância percorrida e tempo.
Neste caso, temos duas marcas que uniram suas linhas de produto para desenvolver uma solução convergente para o consumidor. Ambas têm muita força e um vasto repertório de associações simbólicas (em universos totalmente distintos). Contudo, a associação entre elas sob a forma de um produto cria um “combo” poderoso. Esta é a essência do co-branding: o quanto podemos unir duas marcas que já têm relevância para gerar uma oferta ainda mais valiosa e exclusiva?
Na prática, isso quer dizer que o co-branding não deve ser pensado como apenas um esforço de comunicação para ganho de visibilidade e alcance (ou a famosa “permuta” de targets: o público da marca X é acessado pela marca Y e vice-versa). Sem desprezar o importante resultado no âmbito da geração de leads e o impacto gerado em novos consumidores, os resultados mais importantes em uma ação de co-branding são oriundos da sinergia para criar associações subjetivas, entregas e experiências que não poderão ser equiparadas pela concorrência.
Nesse sentido, a abordagem de co-branding será mensurada por diversas perspectivas bem práticas:
Associações inusitadas geram inovação
A abordagem de co-branding pode representar uma oportunidade para inovar no desenvolvimento de ofertas, já que possibilita que marcas de segmentos totalmente diferentes se associem, tanto de forma subjetiva quanto em atributos práticos dos produtos em si.
Um bom exemplo deste tipo de correlação é uma linha específica da marca de calçados Melissa em co-branding com a marca de sorvete Magnum. A coleção Melissa + Magnum foi lançada em 2013 com três variações, que representavam os sabores do sorvete.
Figura 1 – Linha Melissa + Magnum
Fonte: Monteleone (2013).
De acordo com o site Mundo do Marketing, em reportagem publicada na época:
Os produtos estão disponíveis em três cores e cada uma representa um dos sabores do sorvete: o vermelho representa o Magnum Chocolate com Avelã; o marrom faz referência ao Magnum Clássico, e o tom creme é inspirado no Magnum Chocolate Branco. Os sapatos são aromatizados com a fragrância de chocolate presente na sobremesa da Kibon (MEDEIROS, 2013, on-line).
Como podemos ver, o co-branding é uma ferramenta importante tanto para fortalecer a marca quanto para gerar ofertas inovadoras e diferenciadas para o público.
Unidade 3
As plataformas digitais representam uma nova fase para o marketing como um todo. A partir da ascensão das ferramentas on-line e de seus desdobramentos, como o mobile, criam-se novas oportunidades e modelos em todas as frentes da Administração de Marketing. E não seria diferente com o branding.
Todo este ferramental e as novas dinâmicas de comunicação precisam ser considerados para o desenvolvimento e a gestão de marcas. Nesta unidade, examinaremos as possibilidades e as principais propostas digitais para uma abordagem eletrônica da gestão de marcas (e-branding).
Na essência, o digital não muda a estruturação básica do processo de construção de marca. Contudo, ele amplia as possibilidades a partir das novas ferramentas criadas dentro desse universo. Ao mesmo tempo, o dinamismo do digital e a fragmentação de audiências proporcionada pela pluralidade de canais existentes também impõem diversos novos desafios para os gestores.
Para Kotler e Keller (2019), as principais mudanças geradas a partir do digital são relativas a dois aspectos destas novas mídias, conforme a seguir:
O digital proporciona canais de diálogo constante entre marcas e os seus públicos. Seja em redes sociais, seja por meio de novas plataformas de atendimento, a conversa entre empresas e consumidores deixou de ter um intervalo de tempo determinado para se tornar ininterrupta. Redes sociais são um bom exemplo disso. Por meio delas, as marcas são acessadas a qualquer hora do dia, durante qualquer período do ano, e precisam ser muito mais ágeis para responder e/ou se posicionar diante das conversas nas quais são envolvidas.
Tópicos como big data, mobile, geolocalização, automação e sistemas de inteligência artificial são apenas alguns dos novos recursos disponíveis para que as empresas consigam estabelecer linhas de diálogo diretamente com cada consumidor. A teoria do Marketing One-to-One, tratada no famoso livro de mesmo nome escrito por Don Peppers e Martha Rogers em 1999, finalmente tem a possibilidade de ser exercida na prática, graças ao digital.
O predomínio das mídias digitais consolida uma mudança que já estava em curso antes de a internet ser lançada ao público no início dos anos 1990: a necessidade de personificação das marcas e de uma construção subjetiva cada vez mais sólida, que permitisse ao consumidor se relacionar com tais marcas de forma cada vez mais próxima, em oposição ao relacionamento puramente transacional que até então dava o tom do diálogo entre as partes.
Como as marcas se tornam bem mais acessíveis, rapidamente as empresas são forçadas a criar novas estruturas que deem conta da rapidez demandada pelas conversas no âmbito digital. O atendimento e o relacionamento com o público deixam definitivamente a postura mais receptiva de lado (massificada pela ascensão dos call centers e os famosos Serviços de Atendimento ao Consumidor – SAC) para se transformarem em conversas que beiram a informalidade dentro de plataformas como Facebook e Instagram.
Esse tom mais informal das conversas já era identificado por alguns autores. Segundo Gobé (2002), o consumidor do novo século quer perceber as marcas como ativos que possuem apelo simbólico positivo. O autor vai além, afirmando que o público privilegia marcas que possam ser tratadas como amigas e com as quais é possível estabelecer um vínculo de confiança.
Por outro lado, as marcas também precisam criar uma estratégia de presença e “encontrabilidade” no digital, entendendo que nestas novas plataformas quem inicia a busca é o público. Logo, a postura de marketing tradicional de conquistar a atenção do consumidor para aproximá-lo dá lugar a novas filosofias, como o chamado marketing de atratividade ou inbound marketing.
Essa metodologia se baseia justamente na ideia de que “forçar” o consumidor e chamar a atenção dele (marketing baseado na interrupção) não são posturas adequadas em um ambiente 100% interativo.
Como nas plataformas atuais o consumidor decide o caminho que seguirá, as marcas precisam construir uma estratégia sólida de presença e entrega de valor por meio de prestação de serviços de conteúdo (veremos no tópico a seguir), assim garantindo visibilidade e um fluxo constante de tráfego nos pontos de contato com o público.
Para Rowles (2021), as estratégias de atração se baseiam em quatro etapas:
Atração
Criação de conteúdo e gestão do relacionamento em redes sociais são algumas das abordagens para fazer com que as pessoas certas “descubram” a marca.
Conversão
A partir de alguma mecânica de entrega de valor (normalmente sob a forma de conteúdo), a empresa capturará leads para o funil de vendas.
Fechamento
Conforme o relacionamento se aprofunda entre a marca e o público, também aumentam as chances de os prospects se transformarem em vendas.
Encantamento
O relacionamento deve ser aprofundado por meio de uma entrega de excelência. O objetivo é ter um relacionamento forte e gerar os brand advocates.
A força do branded content
Uma das abordagens mais poderosas para construção de marca em ambientes digitais é o conteúdo de marcas (branded content). Criar conteúdo tornou-se um ponto fundamental para qualquer ação digital (não por acaso, o chamado marketing de conteúdo é um dos principais pontos de sustentação da filosofia inbound).
As estratégias de branded content se propõem a criar conteúdo que esteja conectado com o universo objetivo e subjetivo da marca. Com isso, espera-se aumentar o nível de relacionamento e engajamento do público a partir do momento que se entrega conteúdo (que pode ter o formato educativo, informativo ou mesmo focado no entretenimento), que serve como plataforma para algum tipo de serviço e entrega.
Mídia paga X mídia orgânica
Construir presença e “encontrabilidade” de uma marca nos ecossistemas digitais depende de uma combinação assertiva entre abordagens de mídia paga e a construção de mídia orgânica. A mídia paga segue o mesmo princípio de outras plataformas mais tradicionais. Quando falamos em mídia orgânica, o foco está no compartilhamento que os próprios usuários fazem dentro de plataformas, como as redes sociais, proporcionando maior alcance às mensagens da marca sem que a empresa precise pagar pelos espaços, já que os usuários estão compartilhando-as por vontade própria. Enquanto a construção orgânica tem muito mais poder para gerar endosso para a marca, as ações pagas garantem que os segmentos corretos de público serão impactados e que toda a ação receberá o tráfego necessário para construir a performance.
RESUMO
Neste capítulo, você pôde compreender que:
Existem algumas estratégias para criar ofertas e marcas diferenciadas, que sejam capazes de fugir da competição direta dos concorrentes. Tratamos de duas específicas, que são a estratégia de relevância e a estratégia do oceano azul. Embora elas tenham algumas diferenças, na prática buscam constituir narrativas, valores e propostas de valor exclusivos para criar marcas que tornem os concorrentes irrelevantes.
Outro caminho para inovar e se diferenciar são as iniciativas de co-branding. A abordagem busca unir elementos distintos de marcas igualmente fortes para criar algo único. Uma ação de co-branding pode combinar tanto elementos objetivos das marcas quanto aspectos ligados à essência e ao DNA delas. Portanto, trata-se de uma estratégia poderosa para surpreender os consumidores e criar ofertas inesperadas.
Por fim, falamos sobre as possibilidades de construção de marca a partir de ecossistemas digitais. Embora os pilares da estratégia de branding não mudem em ambientes digitais, as novas tecnologias forçam as marcas a serem muito mais ativas nesses ambientes. Além disso, é possível criar abordagens de conteúdo para aumentar o diálogo e o envolvimento com o público.
REFERÊNCIAS
AAKER, D. Relevância da marca. Porto Alegre: Bookman, 2011.
AAKER, D.; JOACHIMSTHALER, E. Como construir marcas líderes. São Paulo: Futura, 2000.
CALDER, J. B.; TYBOUT, A. M. Marketing. São Paulo: Saraiva, 2013.
GOBÉ, M. A emoção das marcas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002.
KIM, W. C.; MAUBORGNE, R. A. Estratégia do oceano azul. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
KOTLER, P.; KELLER, K. Administração de marketing. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2019.
KOTLER, P. Marketing 5.0: technology for humanity. New Jersey: Wiley, 2021.
LINDSTROM, M. Brandsense. Porto Alegre: Bookman, 2012.
MATTAR, F. N. (org.). Gerência de produto. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
MEDEIROS, L. Magnum e Melissa criam sapatos inspirados em sorvete. Mundo do Marketing, nov. 2013. Disponível em: https://www.mundodomarketing.com.br/ultimas-noticias/29239/magnum-e-melissa-criam-sapatos-inspirados-em-sorvete.html. Acesso em: 12 jul. 2021.
ROWLES, D. Digital branding. São Paulo: Autêntica Business, 2021.
TRINTA, J. L. Avaliação de marcas: proposição e verificação da aceitabilidade de um modelo integrativo. 2009. Tese (Mestrado em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
YANAZE, M. Gestão de marketing e comunicação: avanços e aplicações. São Paulo: Saraiva, 2007.