Capítulo 2
CONCEITOS E FUNDAMENTOS
COMPLEXIDADE ORGANIZACIONAL
DESENVOLVIMENTO GERENCIAL
Ao olharmos por perspectiva e de forma integrada aos acontecimentos históricos, a gestão por competências começou a existir muito antes do que a maioria da literatura relata. Isso porque, desde a formação social, já se pensa e trabalha valorizando a importância das habilidades para se chegar a um determinado objetivo.
Por isso, a compreensão sistêmica sobre o que fez o contexto mudar e evoluir, no mundo dos negócios, faz com que possamos entender como os diferentes níveis de complexidade podem influenciar profundamente a maneira como gerimos as pessoas e como reconhecemos as suas competências.
Esse reconhecimento deve ocorrer de forma estrutural e sistemática para que haja coerência em todo o processo de gestão de desempenho e para que os líderes sejam percebidos como verdadeiros facilitadores na jornada de desenvolvimento do seu liderado. Deve-se considerar, ainda, que o liderado de hoje é o líder de amanhã. Portanto, a gestão de pessoas é crucial em todos os níveis e modelos dentro da carreira.
Ao final deste capítulo, será possível compreender:
Para melhor compreensão das questões que envolvem os objetivos apresentados, este capítulo está dividido em:
Unidade 1 - Conceitos e fundamentos
Unidade 2 - Complexidade organizacional
Unidade 3 - Desenvolvimento gerencial
Unidade 1
O conceito de competência pode ser atribuído a diferentes elementos: de um lado, existe a organização, com seu conjunto de competências essenciais, que se originam através de todo processo de desenvolvimento da organização e fundamentam a riqueza de conhecimentos da empresa. Tal riqueza, por sua vez, estabelece as vantagens competitivas para o contexto em que a organização está inserida.
Do outro lado, existem as pessoas, com seu conjunto de competências que podem se fundir, de forma perfeita e harmônica, com o que se espera pela organização ou podem ser comprimidas pelo sistema (e gestores), ou, ainda, deixar um gap de entrega.
Ao olhar para o modelo de competência na gestão da carreira e do desenvolvimento gerencial, deve-se fazer uma análise crítica, pois são diversos os fatores que contribuíram e contribuem para o sucesso e fracasso desse modelo, ao longo do tempo. As relações de trabalho (que caracterizam todo o modo de produção) existem desde a época do sistema feudal. As primeiras relações entre patrão e empregado surgem nas corporações de ofício, em que os aprendizes desenvolviam, nas oficinas, suas competências em determinadas tarefas, a fim de produzir peças para comercialização.
Os processos de globalização, o advento da tecnologia, a turbulência crescente, a mudança das arquiteturas organizacionais e das relações comerciais, a exigência de maior valor agregado dos produtos e serviços levaram as organizações a buscar mais flexibilidade e maior velocidade de resposta na estruturação das ocorrências internas e no enfrentamento de situações inusitadas e de complexidade.
Unidade 2
O conceito de complexidade organizacional permite a compreensão das diferentes esferas de contribuição de cada nível hierárquico, ou grupos de cargos, dentro de unidades de negócio, ou ainda agrupados por sinergia. Do outro lado, existem os ocupantes dos cargos, com seu nível cognitivo capaz de atender, ou não, ao desempenho esperado de cada função.
Esse processo de conectar a contribuição dos indivíduos ao nível de entrega requerido pelo cargo permite avaliar o nível de valor que cada profissional agrega para a sua organização. Há algum tempo, essa agregação de valor podia ser medida pelo cargo e pelo nível hierárquico da pessoa dentro da empresa.
O espaço ocupacional faz referência à relação entre complexidade e agregação de valor. À medida que a pessoa assume responsabilidades e atribuições mais complexas, não precisa ser promovida para agregar mais valor.
Dutra (2001) menciona a possibilidade de ampliar o nível de complexidade das atribuições e das responsabilidades de um indivíduo sem que seja preciso alterar seu cargo ou sua posição dentro da empresa. Esse processo denomina-se ampliação do espaço ocupacional, que ocorre obedecendo às necessidades das empresas e à competência das pessoas em atendê-las.
Sendo assim, estes três conceitos, entrega, complexidade e espaço ocupacional, constituem uma nova proposta de gestão de pessoas, os quais possibilitam analisar as políticas e as práticas de gestão nas organizações e discutir as ferramentas mais adequadas para tal trabalho.
Por outro lado, para que a sincronia entre complexidade organizacional e performance seja efetiva e produza resultados, é fundamental considerar o entendimento de uma variável pouco explorada, presente de forma intrínseca e extrínseca na gestão das pessoas e dos processos, que é a Gestão da Complexidade.
O precursor desse conceito foi Elliott Jaques, médico, psicanalista, autor e professor, que viveu de 1917 a 2003 e trouxe essa contribuição muito valiosa para o mundo das organizações, por meio da correlação entre processamento mental, capacidade individual e horizonte temporal.
Os limites temporais identificados como níveis hierárquicos ou estratos cognitivos são: 3 meses, 1 ano, 2 anos, 5 anos, 10 anos e 20 anos (JAQUES, 1979). Assim, foi possível identificar os níveis de complexidade exigidos por cada tarefa e a capacidade cognitiva que cada indivíduo possui para sua realização.
Segundo E. Jaques e K. Cason (1994), as pessoas desejam, num sentido muito profundo, serem reconhecidas por aquilo que são, nem mais nem menos. Ainda de acordo com os autores, toda medição satisfatória da capacidade no trabalho requer duas coisas:
É primordial que o desenho da estrutura organizacional siga o princípio de que liderados devem se reportar apenas aos gestores com, pelo menos, um nível mais alto de cognição para que se tenha uma equipe eficaz na entrega dos resultados. Jaques corrobora, dizendo: “minha experiência com organizações de todos os tipos em muitos países diferentes me convenceu de que a liderança gerencial eficaz dos subordinados só pode vir de uma categoria individual mais alta em capacidade cognitiva, trabalhando uma categoria mais alta em complexidade cognitiva” (JAQUES, 1990).
Contudo, considerando os diferentes modelos de carreira, novas empresas startups surgindo no mercado, os modelos tradicionais de estrutura de cargo vêm sendo questionados, o que traz um desafio novo a respeito de como trabalhar essa gestão da complexidade, sem que haja uma hierarquia tão estruturada. Independentemente de haver carreira mais ou menos estruturada, ou projetos que determinam, em ciclos menores, como ficarão organizadas as equipes, é imprescindível considerar que, se há qualquer relação de liderança, o líder deve possuir maior extrato cognitivo do que o seu liderado. Isso permite a criação de visão, inspiração e troca de conhecimento, de forma natural e saudável, bem como contribui para a criação de confiança, respeito e admiração entre os profissionais.
A Figura 1 foi adaptada, considerando os cargos distribuídos em uma hierarquia mais tradicional, que pode ser considerada em uma empresa que deseja estruturar uma carreira em Y ou W.
Figura 1 - Representação da complexidade esperada conforme estrutura organizacional
Além da capacidade de gerenciar a complexidade, deve-se compreender que, para definir, de maneira assertiva, a contratação ou a movimentação interna do profissional, é preciso considerar seu conjunto de competências como parte fundamental dessa tomada de decisão. O profissional que se destaca no mercado possui um conjunto de atributos que faz seu potencial ser reconhecido e valorizado em todos os lugares em que atua. Permite, ainda, que seja protagonista de sua carreira e gestor de toda a sua trilha de desenvolvimento profissional.
Unidade 3
Partindo do pressuposto trabalhado nas unidades anteriores, de que as competências são sinônimo de vantagem competitiva, é interesse observar, na linha do tempo, que a forma de gerir pessoas passou por grandes transformações nos últimos 20 anos, tais como:
Alteração no perfil das pessoas exigido pelas empresas
prefere-se um perfil autônomo e empreendedor a um perfil obediente e disciplinado. A mudança no padrão da exigência gerou a necessidade de uma cultura organizacional que estimula e apoia a iniciativa, a criatividade e a busca por resultados para a empresa ou para o negócio;
Deslocamento do foco da gestão de pessoas por meio do controle para o foco por meio do desenvolvimento
a marca dos sistemas tradicionais de gestão de pessoas, inspirada no paradigma fordista e taylorista de administração, é o controle das pessoas. Segundo esse paradigma, os indivíduos são controláveis, portanto, espera-se deles uma postura passiva. Hoje, há uma grande pressão para que a gestão de pessoas seja orientada para a ideia de desenvolvimento mútuo. A empresa, ao se desenvolver, desenvolve as pessoas, e estas, ao se desenvolverem, fazem o mesmo com a organização. A pessoa é vista como gestora de sua relação com a empresa, bem como do seu desenvolvimento profissional;
Maior participação das pessoas no sucesso do negócio ou da empresa
o comprometimento integral dos indivíduos com a organização ou com o negócio mobiliza não somente os músculos e parte da inteligência, mas todo o seu potencial criador, sua intuição, sua capacidade de interpretar o contexto e de agir sobre ele, gerando vantagens competitivas únicas.
É importante esclarecer o que se entende por vantagem competitiva. De um lado, há a empresa, que pode ser definida como um conjunto de relações que cria valor e aprendizagem para todos os que fazem parte. Cresce e desenvolve por meio das relações com o ambiente econômico, político, social e cultural, sendo esse ambiente frágil, ansioso, não linear e incompreensível – mundo BANI.
Com isso, a razão de existir das empresas é oferecer soluções, traduzidas por produtos, serviços e experiências, para problemas do mundo real. A vantagem competitiva acontece quando essas empresas oferecem desempenho diferenciado aos consumidores, se comparado ao de seus concorrentes. Além disso, são desejadas como excelentes lugares para se trabalhar e mantêm seus funcionários felizes e motivados.
Essa capacidade de manter-se na liderança, diferenciando-se consistentemente, deve-se ao fato de que há um fator predominante, intrínseco e difícil de replicar – o conhecimento. Esse conhecimento apresenta-se por diversas formas e agrega valor a inúmeras esferas da organização. Para que todos possam se beneficiar desse conhecimento, há uma forma de fazê-lo crescer de maneira exponencial: desenvolver as capacidades dos líderes para que se comportem como multiplicadores e facilitadores do desenvolvimento e, consequentemente, da aquisição e da construção de conhecimento pelos liderados.
Ram Charan e Stephen Drotter criaram um modelo que, do ponto de vista das competências gerenciais, complementa o modelo de Elliott Jaques, estudado na unidade 2 deste capítulo. O modelo é chamado de Pipeline de Liderança. O conceito de pipeline prevê a divisão hierárquica da estrutura organizacional, por complexidade das relações e necessidade de variados graus de maturidade, para gerir níveis diferentes de senioridade e proficiência, em termos de competência. De acordo com o pipeline, conforme o profissional cresce e se desenvolve em sua jornada, vai passando por fases de transição, que lhe conferem maior capacidade e atributos cognitivos para liderar maiores níveis de complexidade.
As seis transições do pipeline de liderança são:
1ª transição
De gerenciar a si mesmo para gerenciar os outros;
2ª transição
De gerenciar os outros para gerenciar gerentes;
3ª transição
De gerenciar gerentes para gerenciar uma função;
4ª transição
De gerente funcional para gerente de negócios;
5ª transição
De gerente de negócios para gerente de grupo;
6ª transição
De gerente de grupo para gestor corporativo.
É importante reconhecer que cada modelo prevê o incremento de novas competências e/ou maiores níveis de proficiência nas mesmas competências. Os níveis de proficiência são um termômetro importante para o desenvolvimento do profissional, pois evidenciam o quanto está se desenvolvendo e adquirindo maior maturidade de entrega, em uma determinada competência. Podem ser divididos em:
Figura 2 - Diferentes níveis de proficiência
Fonte: Elaborada pela autora.
Para estruturar um modelo prático de didático de gestão por competências, especialmente no que tange às competências gerenciais, é importante ter especialistas dentro das áreas de recursos humanos, capazes de conhecer os modelos de gestão e, em parceria com os líderes das áreas de negócio, desenhar um modelo que faça mais sentido para a empresa.
Neste capítulo, você pôde compreender que Bauman (2001) apresenta o conceito de “modernidade líquida” para falar dos acontecimentos e da subjetividade na contemporaneidade, onde predominam as relações instáveis, voláteis e individualizadas. Os acontecimentos são velozes, escapam ao tempo da memória, tão logo se realizam, tornam-se obsoletos. A inovação faz parte da demanda do mercado por novos produtos sempre mais atrativos.
A forma mais efetiva de as empresas manterem seu diferencial competitivo é, justamente, a gestão por competências, a qual estimula os profissionais a se desenvolverem e se diferenciarem, ao mesmo tempo que são motores para promover a diferenciação das organizações onde estão inseridos.
Assim, para se desenvolver e desenvolver os outros, o líder precisa compreender os fatores intrínsecos – subjetivos e objetivos, inerentes à complexidade organizacional e à capacidade de cada indivíduo de responder positivamente a esses níveis de complexidade. Por meio dessa orquestração, a organização poderá se destacar no mercado e ser um lugar excelente para se trabalhar.
É importante ressaltar que o método para se chegar nos modelos desejados devem estar alinhados às estratégias organizacionais e contemplar formas estruturadas, didáticas e bem claras para que todos entendam como podem se desenvolver dentro da organização e como podem desenvolver sua própria marca pessoal.